quarta-feira, 27 de junho de 2012

Eliana Calmon diz que Leis estaduais dão benefícios paralelos a magistrados

SÃO PAULO - Os altos salários de desembargadores brasileiros são culpa de legislações estaduais que criaram benefícios paralelos para os magistrados, denuncia a corregedora do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) Eliana Calmon Alves. Em entrevista ao GLOBO, ela admite que o órgão nada faz com os dados sobre salários de juízes que recebe desde 2009, mas credita ao ex-presidente do CNJ Cezar Peluso (2010 - 2012), a decisão de não questionar a composição dos vencimentos informados ou a falta de envio de dados por parte dos tribunais. "Essa resolução ficou natimorta. Nós temos os dados, mas eles não foram devidamente questionados", afirma ao se referir à norma editada há três anos pelo CNJ. Calmon defende a criação de um cadastro único de informações sobre salários e penduricalhos pagos a magistrados. Ela considera o momento atual mais propício do que nunca para isto, em função da entrada em vigor da lei de acesso à informação pública.

O GLOBO: Nenhum dos 27 tribunais aceitou informar ao GLOBO os nomes e respectivos salários dos desembargadores brasileiros. Surpreende a senhora?

ELIANA CALMON ALVES: Não me surpreende porque nós queremos saber isto e eles fazem cera para nos dar essa informação, guardam como um segredo de sete chaves. Estamos querendo fazer um cadastro sobre tudo o que é pago, mas ainda não foi possível. Temos de dar satisfação de quanto nós estamos a ganhar.

O GLOBO: Por que os tribunais resistem a informar isso?

CALMON: É a cultura de não dizer quanto ganha, de achar que este é um ato de fraqueza, de achar que o Judiciário se fortalece com o poder que o juiz tem de não se igualar ao funcionário público. A grande grita do corporativismo é para que o magistrado permaneça em um patamar diferenciado dos demais.

O GLOBO: Desde 2009 a Resolução 102 do CNJ obriga os tribunais a enviar dados de subsídios e extras recebidos...

CALMON: Isso está completamente defasado.

O GLOBO: Por quê?

CALMON: Depois da resolução, foram surgindo outras vantagens, como por exemplo auxílio alimentação, auxílio moradia, essa parcela autônoma (PAE), que cada tribunal está calculando de um jeito. Nós queríamos estabelecer uma uniformidade, porque o CNJ veio exatamente para igualar os tribunais. Uma das formas que nós temos é a partir dos salários iguais.

O GLOBO: Ainda que esteja defasada, já é uma determinação do CNJ...

CALMON: Que está deixando de ser cumprida, não é isso? Eu tenho consciência disso, e como corregedora fui em cima. A informação é que o ministro Peluso queria relativizar. A partir daí eu não quis criar mais uma área de atrito.

O GLOBO: Como assim, relativizar?

CALMON: "Vamos trabalhar com o que já tem, não vamos exigir que venham outras informações, não vamos fazer o cadastro", é isso. A partir daí, não questionei mais, senão agora, onde eu tenho um motivo novo para pedir aos tribunais, no contexto da lei de acesso à informação. Aliás, alguns magistrados têm questionado que isso leva a uma insegurança, pode haver problemas de sequestro. Levei essa questão ao ministro Britto (atual presidente do CNJ), ele disse: a ordem do Supremo Tribunal Federal é de que nós devemos publicar os valores salariais.

O GLOBO: Com os dados já disponíveis apuramos, por exemplo, que há desembargador ganhando mais de R$ 100 mil no Rio. Ali já existe muita informação suspeita, porque o o CNJ não faz qualquer uso destes dados?

CALMON: Como eu disse, essa resolução terminou sendo relativizada e a ordem era: vamos deixar.

O GLOBO: Deixar o que?

CALMON: Nós estamos tomando prumo, vamos voltar a fazer efetivamente um outro controle.

O GLOBO: Mas porque o CNJ não faz algo com as informações que ele já detém?

CALMON: Porque a ordem que se tinha era de não haver essa divulgação, a não ser pelo portal da transparência.

O GLOBO: Mas não estamos falando sobre divulgação, e sim de controle da atividade judiciária.

CALMON: Vou dizer exatamente o que aconteceu. O Rio de Janeiro, por exemplo, tem uma lei estadual que estabelece os salários dos magistrados. Foi argüida a incostitucionalidade dela, o assunto foi para o STF. Todo mundo sabe que o Rio de Janeiro tem salários milionários, mas não foi possível (exercer) esse controle porque isso está sub júdice. O ministro Ayres Britto levou o voto declarando esta lei inconstitucional, o ministro Fux pediu vista deste processo. Eu própria fiquei aguardando uma solução no Rio de Janeiro porque não acho justo que nada possa ser feito com aqueles salários imensos, porque está judicializado, e (porque agir em relação) ao resto? Em razão deste mal exemplo, diversos estados começaram a criar penduricalhos.

O GLOBO: A senhora poderia citar exemplos?

CALMON: A constituição fala que nas férias do magistrado, ele ganha um terço de gratificação. E já são dois terços, porque são dois meses de férias. Paraná, Amapá e Mato Grosso estabeleceram por lei estadual mais dois salários. O magistrado não ganha 13, mas 15 salários. O que estamos vendo? Para fugir ao teto constitucional, está se criando em paralelo uma legislação estadual que começa a criar essa série de penduricalhos. Só poderemos barrar isso de forma definitiva quando tivermos a lei orgânica da magistratura, onde será dito o que pode e o que não pode.

O GLOBO: Qual é a perspectiva da lei orgânica sair?

CALMON: Vai demorar muito, existe por parte do Congresso Nacional um interesse, mas por parte da magistratura, não. Porque estabelecendo-se esta desordem, naturalmente existe uma vantagem. Como a lei orgânica da magistratura vai ensejar um quorum especial no parlamento, trabalhamos com outra opção: haver um questionamento em relação à inconstitucionalidade das leis estaduais e a partir daí ter um pronunciamento do STF.

O GLOBO: Por que não ir levando caso a caso ao Supremo?

CALMON: É o que temos feito. Temos agido dessa forma.

O GLOBO: Mas se o CNJ não se estrutura nem para analisar os dados que já recebe dos tribunais, como isso vai ocorrer?

CALMON: Através de um questionamento, ou seja, vamos fazer olhando as folhas de pagamento de cada tribunal. Aí vamos encontrar.

O GLOBO: Mas se vocês já recebem essas folhas e elas não são analisadas, como acreditar que isso vai ocorrer agora?

CALMON: Com o auxilio dos tribunais de contas e da Receita Federal, nós fazemos isso rapidamente. Já temos um levantamento de alguns estados, de alguns tribunais, em função das inspeções.

O GLOBO: O que vocês vão fazer com os dados enviados pelos estados, deixar eles para lá?

CALMON: Levei dois anos sem questionar isso, embora a corregedoria seja independente, ela tem uma certa hierarquia e obedece às políticas traçadas pela presidência, e isso era para eu não mexer. Agora recebi a sinalização de que é para fazer.

O GLOBO: Havia então uma determinação para que a senhora não mexesse com isso.

CALMON: Não havia uma determinação formal. Veja bem, eu tive vários questionamentos com a presidência, não ia abrir mais uma frente de combate. Aí eu deixei pra lá. Eu deixei pra lá porque eu estava certa de que um dia isso ia acontecer. Eu não tinha dúvida de que isso precisava acontecer. Quando resolvemos fazer o cadastro, a resposta foi positiva e nós vamos fazer.

O GLOBO: O que vai ser feito com os dados enviados até hoje da resolução 102?

CALMON: Vamos estabelecer um portal da transparência onde colocaremos tudo o que vier de informação.

O GLOBO: Mas a resolução já determina justamente isso, desde 2009, a divulgação desses dados.

CALMON: Isso não foi feito. Essa resolução ficou natimorta. Nós temos os dados, mas eles não foram devidamente questionados, porque na inspeção nós não fazíamos essa avaliação na folha de pagamento. No CNJ, é tudo muito novo. Havia a ideia de que inspeção era olhar os processos judiciais. Só no final de novembro, com um ano que eu estava no cargo, comecei a direcionar as inspeções para os aspectos administrativos, os problemas de pagamentos, vantagens, férias e demasias que pudessem haver no tribunal. E aí nós nos surpreeendemos com algumas coisas que nós não pensávamos que ia existir.

O GLOBO: Agora a intenção é outra.

CALMON: Sim, primeiro, nós temos a vontade política de que assim seja feito, de um novo e confiável cadastro. Em segundo lugar, nós temos a lei (de acesso à informação) que exige, não é mais uma resolução, que exige transparência dos tribunais e a realização deste trabalho.

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