A TRAGÉDIA COMPLETA 300 ANOS
Por Wilson Santos de Andrade
Mais um janeiro negro para os moradores das áreas consideradas de risco, e mais uma vez a sociedade emprega mais energia para identificar um culpado, quando deveria se unir em busca de uma saída definitiva para um mal que completa 300 anos de registro!
Segundo documentos do Corpo de Bombeiros do Rio de Janeiro, em setembro de 1711, a cidade do Rio de Janeiro experimentou o que seria o primeiro grande evento de inundação (com registro) da cidade, em sua história. Não foi diferente nos séculos seguintes, quando vários eventos foram observados no Rio de Janeiro, Juiz de Fora, Uberaba, São Paulo, Porto Alegre, Belo Horizonte e em outras tantas vilas Brasil afora.
As enchentes são “fenômenos naturais” que ocorrem quando a precipitação - em alguns períodos do ano - é elevada o bastante para fazer com que a vazão das águas seja muito superior à capacidade de escoamento. Em outras palavras, quando a chuva é intensa e/ou constante, a quantidade de água nos rios aumenta, transbordando para as margens dos rios (áreas de várzeas ou ruas e avenidas) provocando transtorno à sociedade.
Em uma cidade como São Paulo ou Rio de Janeiro, uma precipitação superior a 50 ou 60 mm, em poucas horas, (segundo a Defesa Civil do Rio de Janeiro) já constitui um provável transtorno ao trânsito de veículos e pessoas nessas cidades. Portanto, não parece prudente culpar as “mudanças climáticas” ou “aquecimento global” pelos deslizamentos de encostas, grandes enchentes ou pelas mortes que a cada ano aumentam assustadoramente, porquanto estes desastres antecedem as “mudanças climáticas”.
As mudanças climáticas – ou aquecimento global, decorrentes da ação do homem, com origem na revolução industrial (Séc. XIX) e o no advento de automóveis e caminhões (Sec. XX) não estavam por aí em 1711, muito menos na primeira metade do Séc. XIX. Mas observe o gráfico da evolução da população do Brasil ao longo dos 3 últimos Séculos:
ANO | FONTE | POPULAÇÃO |
1711 | Celso Furtado – por Estimativa | 300 mil |
1800 | Celso Furtado – por Estimativa | 3.2 milhões |
1872 | 1º Censo no Brasil | 9.9 milhões |
1900 | Censo | 17,4 milhões |
2011 | Censo | 192 milhões |
Diante do quadro acima, não podemos admitir que a atividade humana tenha contribuído para as catástrofes registradas ao longo dos Sécs. XVIII e XIX, ou seja, não se pode atribuir às ações do homem (atividade industrial, excesso de veículos, desmatamento sem controle, etc.) a responsabilidade pelos eventos a seguir:
Os dados abaixo estão disponíveis em alguns endereços eletrônicos como:
Set/1711 – “Grandes inundações são registradas no Rio de Janeiro”.
04/04/1756 – “Um grande temporal atingiu o Rio de Janeiro a partir das 13 horas. Foram 03 dias consecutivos de chuvas fortes que inundaram toda a cidade provocando desabamentos de casas fazendo inúmeras vítimas”.
10/02/1811 – “Outras inundações castigaram o Rio de Janeiro entre os dias 10 e 17 de fevereiro de 1811, o que ficou conhecida como “águas do monte”, em virtude da grande violência com que a enxurrada descia os morros da cidade. Fala-se em dezenas de vítimas e enormes prejuízos materiais. O Príncipe Regente determinou que as igrejas ficassem abertas para acolher os desabrigados”.
1822- “O governo provisório de São Paulo está muito preocupado com as recentes inundações do Rio Tamanduateí, o que atrapalha muito o comércio e o deslocamento de pessoas”. Documento da época... “todos padecem grandíssimos encommodos no tempo das águas por ficar o caminho intransitável”. Toda esta várzea tem ficado sempre no miserável estado de terem nella morrido animais empantanados á vista da cidade. (Registro Geral em 11.04.1822)
1823 – “A cidade de Porto Alegre (RS) teve a maior parte de suas plantações destruída pelo efeito das águas de enxurradas”.
1847- “Em 1847, outra enchente, também em setembro, castigaria a cidade de Porto Alegre. No ano seguinte, uma nova inundação. A enchente de julho inundou partes do Caminho Novo (hoje Voluntários da Pátria) A correnteza bloqueou ainda a recém construída ponte de acesso ao Menino Deus. Tais eventos se repetiram em 1873, 1879, 1885, 1897, obstruindo o serviço de bondes e deixando a Rua dos Andradas debaixo dágua, com o Guaíba sempre a mais de 3 metros acima da calha”.
1850 – “No dia 1º de janeiro de 1850, abateu-se sobre a capital paulista um intenso temporal, cuja lembrança manteve-se viva por longo tempo na memória paulistana. É fato que a cidadezinha daquele tempo estava habituada às enchentes de verão, que desde sempre alagavam as várzeas do Tietê e do Tamanduateí”. (Eudes Campos – historiador).
1863 – “Se olharmos para a edificação [paulistana] alguma coisa há na realidade de novo, mais sólido e de melhor gosto, graças a inundação de 1850, que lançou por terra oitenta e tantas casas da antiga edificação de terra e bosta; mas isto é em relação aos particulares, porque no que diz respeito a obras públicas nada vemos por ahi que attraia a attenção.” (jornal “Doze de Maio”, edição de 08 de junho de 1863.)
Fragilidade, teimosia, incompetência e descaso com a lei.
Na verdade, o que se depreende do quadro acima, é que quanto mais a população ocupa, desordenamente, as áreas urbanas, sobretudo as encostas e aquelas áreas posicionadas no caminho das águas, aumentam as tragédias com perdas humanas e materiais.
O Brasil sempre experimentou trombas d’água, o que não se pode evitar. Mas, as tragédias, estas podem ser minimizadas com ações enérgicas de remoção e realocação de construções residenciais para fora das áreas de risco. Estamos lidando com problema de Política de Desenvolvimento Urbano e não de Aquecimento Global, o que, todavia, não pode ser relegado ao esquecimento, mas nem por isso culpado diretamente pelas tragédias pluviais urbanas.
O fenômeno climático (grande precipitação de chuva) está por aí desde sempre. O fato é que os cidadãos se põem de frente para as águas e sem a devida proteção contra tal fenômeno o que, invariavelmente, resulta em tragédia com mortos, desabrigados, crianças órfãs e sonhos desfeitos.
Antigamente, as margens dos rios faziam o controle natural da água em excesso. O solo contíguo a rios e lagos sempre esteve preparado para receber as inundações nas épocas de cheia, absorvendo a maior parte da água que transbordava dos leitos. Com a ocupação urbana, as vilas foram ficando mais densamente ocupadas e o solo, que antes absorvia a água, ficou impermeável pelo asfalto e pelo concreto. Galerias pluviais necessitam manutenção e redimensionamento quase que constantemente.
A ocupação desordenada de áreas urbanas; a construção de residências com pouca estrutura de sustentação nas encostas e a margem de córregos, rios e lagos; falta de política urbana que proteja as florestas municipais, somadas às grandes precipitações de chuva, que têm sido registradas desde 1711, formam a equação perfeita para sucessivas tragédias, que parecem não ter fim.
A ONU nos lembra que somos o segundo pior país em ações de redução de moradias em favelas, dentre 30 países estudados, entre 2000 e 2010. (Fonte – Conferência das Cidades – dez/2010).
No dia 10 de julho de 2011, o Estatuto da Cidade completará 10 anos. O instrumento regulamenta os artigos 182 e 183 da Constituição Federal, e ali consta tudo o que se deve respeitar para um convívio pacífico da sociedade com a natureza. É um dos tratados mútuos de não agressão a disposição da sociedade brasileira.
Se o homem honrar o que diz o Estatuto das Cidades, por exemplo, a natureza não mais lhe roubará a vida ou o patrimônio.
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Assessoria Técnica – CMMC – Em 03.02.2011
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