sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Beto Barbosa o 'Rei da lambada', está de volta


Beto Barbosa o Rei da lambada, está de volta



“Adocica, meu amor, adocica/ adocica, meu amor, a minha vida.” Esses versos prosaicos, que tomaram conta do Brasil 23 anos atrás, voltaram à tona neste 2011, por conta de um comercial de cerveja. Não se sabe se a Skol queria homenagear o autor do som que embalou as paradas de 1988. Se queria, o fez mais ridicularizando que afagando o paraense Beto Barbosa, 57 anos, autor de outros hits arrasa-quarteirão, como “Mar de Emoções” (1988), “Preta” e “Beijinho na Boca” (1990). O “rei da lambada” dos anos 1980 nem é o único a virar alvo da atual coqueluche da publicidade, de zoar gente que está, digamos, fora de moda, como bem o sabem o cantor Byafra e o ator Ricardo Macchi.

O tal comercial com Beto, atualmente no terceiro episódio, lista atitudes como usar pochete e ouvir “Adocica” como de mau gosto, “cafonas” – rótulo usado, de resto, para toda música que cai no gosto das grandes multidões. Beto diz que assinou contrato consciente da faca de dois gumes que significava topar a parada. Afirma que topou raciocinando “como um empresário, não só como um artista”, de olho na oportunidade de ocupar horários nobres transitórios na mesma mídia que primeiro o endeusou, depois o excluiu.

Beto Barbosa no programa do Faustão (Flickr/Beto Barbosa - 10/2009)
Na entrevista abaixo, o músico fala sobre a lambada, para ele uma mistura de carimbó paraense (aprendido com seu ídolo e padrinho Pinduca), forró de Luiz Gonzaga, música árabe e ritmos caribenhos como salsa, cumbia e merengue. Explica os desencontros com o estado natal e os porquês de nunca ter sido identificado como um astro paraense, enquanto seu colega e rival Luiz Caldas levava adiante o orgulho de ser baiano, com o fricote que desembocaria na axé music.

Avalia de modo crítico as festas paraenses de aparelhagem e seu estilo musical, o tecnomelody (“melotécnico”, segundo ele). Mas faz o mesmo com a MPB, que nunca assimilou com tranquilidade o sucesso popular de artistas como ele. “Não merecemos ser tão ridicularizados, menosprezados, humilhados como querem fazer”, resume. Conta, também, da infância e adolescência vividas entre os extemos da riqueza e da pobreza, no seio de uma família de origem árabe que não aceitava o fato de a mãe de Beto ter se casado com um motorista de ônibus e táxi.

Yahoo! Brasil: Qual é sua relação com o Pará hoje em dia?
Beto Barbosa: É zero.

Y!: Mas sua música deve muito ao Pará, não?
É, porque eu nasci lá, né? Minha música tem muito da minha história árabe, do meu avô libanês. Escutei muita música libanesa, meu avô tinha um rádio muito grande que pegava o Líbano, toda tarde ele ficava ali escutando. Eu não entendia nada, ficava do lado, ele me contando. E as músicas árabes são nervosas, agitadas, têm muita coisa no meio, aquela música da dança do ventre. Era uma mistura, quando me antenei pra vida era o movimento de Roberto Carlos, jovem guarda, e o movimento black power, Jimi Hendrix, Michael Jackson, Jorge Ben, Gilberto Gil. E ouvia muito as músicas clássicas, aquelas coisas que começaram a chegar em Belém,

Frank Pourcell, Ray Conniff. Isso tudo eu escutava na casa do meu avô, e se juntava aos ritmos da periferia – Evaldo Braga, Paulo Sérgio, Reginaldo Rossi, essa galera que não fazia música de qualidade para os críticos da música brasileira. Tive a felicidade de escutar o carimbó do meu amigo Pinduca, que foi meu mestre, o cara que me deu a primeira mão. Uma das minhas tristezas com meu estado do Pará é não terem Pinduca como o Luiz Gonzaga da Amazônia.

Y!:O norte tem a influência dos ritmos do Caribe, que é menor no resto do Brasil, e torna o som de lá muito particular. A lambada também tinha a ver com isso, não?
Ah, sim. Esses ritmos entram muito pela Amazônia, Colômbia, Peru, Venezuela, as Guianas, o Suriname. E é engraçado como a cultura vai pegando outras caras. A música do Caribe chega ali, o pessoal quer tocar igual e não consegue, toca um pouco diferente, já cria um ritmo novo. Aí o cara lá do Nordeste pegou a lambada, que já veio do carimbó, que já veio do Caribe, toca outra coisa, e já é o forró moderno, estilizado. A cultura dá essa volta, no Brasil inteiro, cada um com a sua interpretação.

Y!: Luiz Gonzaga foi uma grande influência, não?
Nossa, escutei muito Luiz Gonzaga e Jackson do Pandeiro. Jackson tinha uma coisa de tocar com três notas e botar um poema todinho dentro daquele quadrado. As minhas músicas geralmente têm poucas notas, são bem simples. Uma vez eu estava com o Erasmo Carlos na minha casa em Fortaleza e disse pra ele: “Pô, eu queria poder tocar dissonante, me aprofundar nas notas”. E ele: “Mas você consegue fazer coisas que os caras das notas profundas não fazem, que é o simples”.

Toco nessa região aí, da simplicidade do verso. Eu danço, gosto de dançar. Quando estou fazendo música, vou dançar pra ver. Se eu não conseguir dançar, com certeza ninguém mais dança, aí descarto aquele projeto.

Y!: Na infância, você conviveu com a riqueza e com a pobreza.
Era um momento de muita revolta, eu não compreendia como é que meu avô e meus tios tinham condições financeiras, e minha mãe não tinha a mesma oportunidade. Falavam que era porque minha mãe tinha casado com um homem que não prestava. Eu achava aquilo uma ignorância. Se meu avô não queria ajudar meu pai, que ao menos ajudasse a filha dele. Meu avô tinha as Lojas Acreanas, que se chamavam assim em função da minha avó e da minha mãe, que eram acreanas.

Y!: Ele veio do Líbano?
Do Líbano. Foi pro Acre pra trabalhar com o irmão dele, que já trabalhava com borracha, no tempo dos seringais. Chegou pobre, depois teve terras de borracha. Aí dividiu as terras com o irmão e foi pra Belém vender roupa na rua, chamava-se mascate. A mãe da minha avó era cearense, talvez seja esse o meu carinho pelo Ceará. Mas ela era aquela pessoa que não dava uma palavra, não podia dizer um “ai” nem um “oi”. Já pegava as decisões todas tomadas do meu avô, era proibida de falar. Minha mãe era rebelde nesse sentido, dizia: “Eu tinha tudo e não tinha nada. Tinha comida, roupa, tudo, mas não tinha minha vontade própria”.

Meu pai era amazonense, motorista de ônibus. Meu avô foi contra, abandonou, morreu e não perdoou. Comigo era diferente, porque eu era homem, o neto. Vivia aqui e ali, trabalhando com eles. Quando estava na casa da minha mãe eu ia juntar pedra na rua pra vender, ia pras feiras juntar comida pra levar pra casa. Meu pai não trabalhava porque se meteu no vício da bebida, só alcoolismo. O pior de tudo não é a fome, é a bebida. Depois que passa, o cara entra em depressão, é muito difícil. Fui trabalhar na Loja Bagdá, do meu tio, que foi dada pelo meu avô. Ninguém ganhou nada que não fosse do meu avô. Ele poderia ter feito a mesma coisa pela minha mãe.

Y!: Era uma questão de machismo, porque ela era mulher?
Exatamente. Os homens tinham tudo, as mulheres não tinham nada. Depois, de tanto minha avó pedir, “ajuda tua filha, não faz isso”, ele deu uma casa pra minha mãe, mas se meu pai se ajeitasse. Meu pai não se ajeitou, ele fez o despejo da minha mãe. A gente morava nas casas de favela mesmo, morava no gueto.

Y!: Como nasceu em você o destino de virar pop star?
Cara, eu já era gerente da loja. Fui boy, vendedor, caixa, motorista. Pra mim foi muito bom, porque eu sei varrer e limpar uma casa, vender, cobrar, argumentar aquilo que penso. Quando vi a oportunidade da música, peguei como um trabalho, como minha tábua de salvação. Olhei quem eram os meus concorrentes, quem estava no mercado, quem ganhava dinheiro com isso. Eram Pinduca, Alípio Martins. Luiz Gonzaga era o rei.

Comecei a ver que se eu pegasse aquele negócio, botasse umas mulheres bonitas dançando, girando, uma coisa moderna, aquilo acontecia. Lançamos, e começou a arrastar multidões. Quando botei a primeira música na Globo, que foi “Adocica”, a novela “Sassaricando” já estava no ar, pra lá do meio, e eles botaram porque estava muito forte, não iam perder aquele embalo. Hoje o cara manda uma música, “não, a novela já fechou” (ri)... Se quiser botar, bota, né?



Fonte : Pedro Alexandre Sanches | Ultrapop

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