A projeção de um cenário eleitoral na Venezuela sem a presença do presidente Hugo Chávez - em tratamento para combater um câncer na zona pélvica - é foco de polêmica no país a seis meses das eleições presidenciais.Em uma reunião fechada com membros do partido governista PSUV, o governador do Estado de Portuguesa, Wilmar Castro Soteldo - designado por Chávez como coordenador de Medição e Avaliação do comando de campanha - disse que há três cenários possíveis para o pleito presidencial de outubro, entre eles a possível ausência de Chávez como candidato.
Essa foi a primeira vez que um membro do PSUV (Partido Socialista Unido da Venezuela) admitiu, ao menos publicamente, que Chávez poderia não ser o candidato chavista que disputaria as eleições contra o candidato de centro-direita Henrique Capriles Radonski, representante da coalizão opositora.
"Chávez tem câncer e qualquer conflito pode desatar três cenários: Chávez debilitado, sem Chávez ou sem eleições", afirmou Castro Soteldo, de acordo com a imprensa local.
Suspensão do pleito
A hipótese de suspensão das eleições foi mencionada, segundo ele, em um contexto de suposto "conflito" gerado pela oposição. O "caos", disse, poderia levar à suspensão do pleito eleitoral. Essa hipótese de "crise social" provocada pela oposição antes das eleições é reiterada por diferentes membros do governo.
Representantes da coalizão opositora rejeitaram as acusações e convocaram o PSUV a respeitar a data das eleições. "Não podemos depender da possibilidade de o presidente ser ou não candidato (...) as eleições serão em 7 de outubro com ou sem Hugo Chávez como candidato", afirmou deputado opositor Juan Carlos Caldera.
"Não há plano B
"
Jorge Rodríguez, chefe do comando de campanha de Chávez
O debate sobre as eleições sem Chávez - que poderia ocorrer caso o estado de saúde do presidente piore - obrigou a cúpula do PSUV a dar explicações.
A chefe de governo de Caracas, Jacqueline Faría, disse que as declarações de Soteldo foram mal-interpretadas e negou que o PSUV esteja costurando uma candidatura alternativa à de Chávez. O único plano é um "contundente triunfo (com Chávez)" nas eleições de outubro, disse Faria em um ato público.
O chefe do comando de campanha eleitoral, Jorge Rodríguez, disse que não há "plano B" e que o "candidato da revolução" é Chávez.
Jacqueline Faría, admitiu, no entanto, que Chávez terá uma participação limitada na campanha, devido ao tratamento contra o câncer. "Certamente ele (Chávez) não andará de caminhão em caminhão, como fez em outras oportunidades, mas para isso tem toda sua equipe", afirmou.
Panorama eleitoral
Para analista, falta a Henrique Capriles a empatia com as massas conseguida por Chávez
Na visão do especialista em opinião pública Ivan Abreu, da Universidade Central da Venezuela, uma candidatura chavista alternativa a Chávez altera todo o panorama eleitoral. A seu ver, apesar do desgaste de 13 anos no poder e do estilo personalista, "Chávez é o único líder do chamado processo revolucionário e é o candidato com maior carisma e captação", afirmou.
"Capriles Radonski é visto como um candidato mais ‘gerencial’, mas não como um líder que arrasta massas" observou.
A última pesquisa de intenção de voto realizada pela consultoria Hinterlaces aponta que 53% dos eleitores votariam em Chávez e 34% em Capriles Radonski. A mesma pesquisa mostra que 74% dos venezuelanos acreditam que Chávez se curará do câncer.
Se Chávez ficasse fora da disputa, a oposição tenderia a incrementar suas possibilidades na disputa. Porém, não representa uma vitória "automática" anti-chavista, adverte o analista político Carlos Romero, da Universidade Central da Venezuela.
"Se o candidato não for Chávez a diferença cai, mas isso não significa que a oposição sairá vitoriosa automaticamente"; afirmou Romero à BBC Brasil.
Sucessão
A disputa pelo poder entre as diferentes correntes chavistas - que navega entre a direita e a esquerda - deverá ser definida pelo próprio Chávez. Se estiver impedido de assumir a candidatura presidencial - hipótese negada pelo próprio mandatário, que reitera a cada aparição pública sua candidatura - ele terá de escolher um sucessor.
Desde a primeira cirurgia para extração do tumor cancerígeno, comenta-se que o ministro de Relações Exteriores, Nicolás Maduro, poderia ser nomeado vice-presidente, substituindo o atual vice Elías Jaua, considerado como o representante do núcleo de esquerda dentro do governo. Esse seria um primeiro indício de mudanças na Cúpula do governo desde que Chávez adoeceu.
"Se o candidato não for Chávez a diferença cai, mas isso não significa que a oposição sairá vitoriosa automaticamente"
Carlos Romero, analista políico da Universidade Central da Venezuela
Outra possibilidade seria a construção de uma espécie de junta de governo, liderada pelos principais aliados do presidente, lista que incluiria Maduro, Jaua, o presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello - representante do setor militar -, Rafael Ramírez, ministro de Energia, e Adán Chávez, irmão do mandatário.
Uma fonte de alto escalão militar disse à BBC Brasil que as Forças Armadas "ainda não veem" quem poderia substituir a Chávez. "Respeitaremos e apoiaremos a decisão do comandante, mas por enquanto, ninguém tem apoio real", afirmou.
Na avaliação do especialista em opinião pública Iván Abreu, da Universidade Central da Venezuela, a falta de informação mantém a sociedade em um estado de "incerteza" e "temor". "O melhor a fazer em um cenário como esse é dizer a verdade", afirmou. "O benefício do governo é transitório, porque quem mais se beneficia são os que pretendem se posicionar ou influenciar a sociedade de uma ou outra maneira", acrescentou.
A reaparição pública do mandatário de 57 anos é aguardada com expectativa. Ele voltou de Havana na madrugada da quinta-feira, onde ficou 11 dias em tratamento com radioterapia. Desde então não foi visto mais publicamente.
Na quinta-feira, em uma breve conversa com o vice-presidente Elías Jaua, por telefone, Chávez disse que está em curso uma "operação de guerra psicológica" contra sua candidatura.
"Devemos seguir em frente com fé e fortalecer o nosso compromisso com a revolução", disse, durante um ato de nomeação dos representantes do comando de campanha transmitido pelo canal estatal. "Unidade, unidade, unidade (...) a batalha será dura, mas triunfaremos", disse.