Os sírios votam neste domingo sobre uma nova Constituição, em um referendo sobre uma nova Constituição fortemente criticado pela oposição e pelo Ocidente, no momento em que o regime acentua sua repressão à revolta em várias cidades cercadas.
Bashar al-Assad e sua esposa Asma votaram em Damasco durante este referendo, que mantém as amplas prerrogativas do chefe de Estado, que enfrenta há 11 meses uma onda de contestação popular sem precedentes.
O presidente e sua esposa tiveram dificuldade para passar pela multidão na sede da televisão estatal, onde funcionários tentavam saudá-los e as pessoas bradavam "Deus, a Síria, Bashar e isso é tudo". A Síria é alvo de "uma campanha midiática", declarou Assad, assegurando que a imprensa é "muito importante", mas que não pode "enfrentar a realidade".
Enquanto isso, em Rabat, no Marrocos, a secretária de Estado americana, Hillary Clinton, pediu que o Exército sírio coloque os interesses do país à frente da defesa do regime de Damasco.
"Exortamos os membros do Exército sírio a colocar em primeiro lugar os interesses do país", declarou Hillary. "Continuamos a acreditar que o entorno de (Bashar Al-) Assad está preocupado com os ataques brutais que são praticados (..) e todos os sírios devem trabalhar juntos na busca por um futuro melhor", acrescentou durante uma entrevista coletiva à imprensa em Rabat.
Hillary Clinton lembrou os três pontos que, segundo ela, devem constituir a estratégia da comunidade internacional em relação à Síria: "uma ajuda humanitária urgente" aos civis, um "aumento das pressões sobre o regime de Assad", e "ajudar a preparar uma transição democrática".
A violência deixou neste domingo pelo menos 30 mortos, em sua maioria civis, principalmente em Homs (centro), bastião da contestação que o regime quer esmagar com bombas, enquanto a Cruz Vermelha Internacional tentava retomar as negociações com a oposição e com as autoridades para evacuar os feridos, incluindo dois jornalistas ocidentais nesta cidades.
Segundo fontes concordantes, a evacuação dos feridos bloqueados em Homs será realizada apenas na segunda-feira por razões logísticas. "A evacuação não será realizada neste domingo porque é muito perigoso enviar ambulâncias durante a noite de Damasco a Homs para buscar feridos. Será preciso realizar esta operação amanhã, na segunda-feira", afirmou Saleh Dabbakeh, porta-voz do CICV.
Um diplomata ocidental em Damasco confirmou que uma "abertura havia sido feita neste domingo, mas que efetivamente era tarde demais para buscá-los porque era noite". Desde o início das manifestações, em março de 2011, contra o regime de Damasco, a violência deixou milhares de mortos na Síria.
Mais de 14 milhões de eleitores foram chamados a votar neste plebiscito, boicotado pela oposição. A opositora Comissão Geral da Revolução Síria denunciou que a violência continua no bairro de Bab Amro e outros distritos do reduto opositor de Homs, no centro do país, onde hoje prosseguem os bombardeios das forças governamentais.
Em cada centro eleitoral há cartazes com instruções para facilitar a votação aos cidadãos, que devem ter 18 anos para poder participar deste processo. A redação de uma nova Constituição era uma das principais demandas ao início do levantamento popular contra o regime em março passado, mas a sangrenta repressão levou os opositores a exigir a renúncia do presidente.
A minuta da Constituição, elaborada por uma comissão designada por Assad, acaba com o monopólio do partido governante Al Baath, que comanda a Síria desde 1963, abre as portas ao multipartidismo e põe limite ao mandato do presidente, de sete anos e só renovável uma vez. Segundo o texto, a Síria é um "Estado democrático e civil" no qual se respeitam "todas as religiões", mas a confissão do presidente é o Islã e a fonte principal da legislação é a jurisprudência muçulmana.
Damasco de Assad desafia oposição, Primavera e Ocidente
Após derrubar os governos de Tunísia e Egito e de sobreviver a uma guerra na Líbia, a Primavera Árabe vive na Síria um de seus episódios mais complexos. Foi em meados do primeiro semestre de 2011 que sírios começaram a sair às ruas para pedir reformas políticas e mesmo a renúncia do presidente Bashar al-Assad, mas, aos poucos, os protestos começaram a ser desafiados por uma repressão crescente que coloca em xeque tanto o governo de Damasco como a própria situação da oposição da Síria.
A partir junho de 2011, a situação síria, mais sinuosa e fechada que as de Tunísia e Egito, começou a ficar exposta. Crise de refugiados na Turquia e ataques às embaixadas dos EUA e França em Damasco expandiram a repercussão e o tom das críticas do Ocidente. Em agosto a situação mudou de perspectiva e, após a Turquia tomar posição, os vizinhos romperam o silêncio. A Liga Árabe, principal representação das nações árabes, manifestou-se sobre a crise e posteriormente decidiu pela suspensão da Síria do grupo, aumentando ainda mais a pressão ocidental, ancorada pela ONU.
Mas Damasco resiste. Observadores árabes foram enviados ao país para investigar o massacre de opositores - já organizados e dispondo de um exército composto por desertores das forças de Assad -, sem surtir efeito. No início de fevereiro de 2012, quando completavam-se 30 anos do massacre de Hama, o as forças de Assad investiram contra Homs, reduto da oposição. Pouco depois, a ONU preparou um plano que negociava a saída pacífica de Assad, mas Rússia e China vetaram a resolução, frustrando qualquer chance de intervenção, que já era complicada. Uma ONG ligada à oposição estima que pelo menos 7,6 mil pessoas já tenham morrido na Síria.
Nenhum comentário:
Postar um comentário