quinta-feira, 2 de fevereiro de 2012

"O passado que a Argentina enfrenta com a coragem que o Brasil não tem"

Por Luiz Cláudio Cunha, jornalista


A frase inesperada congelou a plateia colorida de azul, branco e marrom cáqui que lotava na segunda-feira, 12 de dezembro, o Salão San Martín, o espaço nobre do Edifício Libertador, sede do comando do Exército em Buenos Aires. Perfilados diante do ministro da Defesa, Arturo Puricelli, os brigadeiros, almirantes e generais do Alto Comando das Forças Armadas argentinas ouviram, crispados, a sentença súbita e cortante da autoridade que subvertia o rígido protocolo castrense:


— Juro por la pátria, mi madre y los 30 mil desaparecidos! — improvisou o advogado e diplomata Alfredo Waldo Forti, 61 anos, ao prestar o juramento de praxe para renovar seu mandato como Secretário de Assuntos Internacionais da Defesa. Nenhum militar aplaudiu, mas nenhum protestou. Todos respeitaram a frase atrevida de Forti, que dava ali o seu corajoso testemunho pessoal diante da corporação fardada que legou à Argentina, no período da chamada ‘guerra suja’, de 1976 a 1983, o desonroso título de ditadura mais sangrenta entre os regimes militares que sufocaram a democracia no Cone Sul do continente, na segunda metade do Século 20.


Nélida Azucena Sosa de Forti: presa no avião quando saía do país com os 6 filhos

Forti e sua mãe são símbolos dessa violência — ele como sobrevivente, ela como um nome a mais na multidão de desaparecidos políticos no período da repressão militar. A bela morena Nélida Azucena Sosa de Forti, ex-integrante dos Montoneros, o movimento guerrilheiro da esquerda peronista, tinha acabado de embarcar no voo 284 da Aerolíneas Argentinas que sairia do aeroporto de Ezeiza rumo a Caracas, na manhã de 18 de fevereiro de 1977.


Fugindo do clima político cada vez mais fechado do país, desde o golpe militar desfechado um ano antes, Azucena levava consigo os seis filhos, de 6 a 16 anos, incluindo Alfredo, o mais velho. Já com os cintos afivelados para a decolagem, tiveram que desembarcar, chamados de repente para resolver ‘problemas de documentação’. A mãe e as crianças foram recebidas por agentes armados da polícia de Buenos Aires, subordinada ao Primeiro Corpo de Exército. Com os olhos vendados, foram colocadas em dois carros e levadas para o Pozo de Quilmes, um quartel da Brigada de Investigações da polícia localizado numa cidade da região metropolitana, ao sul da capital.


Uma semana depois, as crianças reapareceram, vendadas com lençol e amarradas na árvore de uma praça no Parque Patrícios... Azucena foi vista com vida, pela última vez, no centro clandestino de detenção conhecido como Arsenales, na saída norte da cidade, onde funcionava a Companhia de Arsenais Miguel de Azcuénaga, da V Brigada de Infantaria. Era um típico campo de concentração, cercado por duas cercas de alambrado separadas por uma faixa de terra vigiada por soldados e cães e altas torres de sentinelas. Alfredo Forti e seus cinco irmãos nunca mais tiveram notícias de Azucena.

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